domingo, 20 de maio de 2012

Laços de goma de mascar


Samara amava Vicente, mas ele não tinha ciência disso. A cada dia, os olhos dela não mais orbitavam em perfeitas condições, mas viviam em desintegrada sintonia, bastava encontrar a imagem preferida, Vicente. O rapaz, por sua vez, tudo ignorava na mais pura inocência; saía e entrava, subia e descia, falava e se calava, ouvia e redizia, sentia e ignorava, luzia e reluzia; mas nada alterava sua rotina, pacata e mesquinha.

O sentimento era tão forte, que a menina já não vivia por si só, apelava à existência do amado. No dia que não lhe via, sentia uma agonia. Estudavam na mesma escola, em salas vizinhas, partilhando o mesmo espaço. Do local onde Samara se sentava, conseguia avistar o seu "amor", através da larga janela que existia na parede oriental da sala de aula; o rapaz se sentava num ângulo que permitia ser iluminado, pelo sol, por boa parte da manhã, o que lhe conferia um brilho natural, contibuindo para sua aparência divinizada pela amante.

Mas um dia, tudo mudou. Núbia, uma garota esbelta, de longos cabelos castanhos e olhos penetrantes como espadas medievais, chegou na escola e foi encaixada na turma de Vicente. O rapaz, agora em explícito, viu-se cortejado (aparente inversão) pela novata. Recebia beijos de bom dia, lanches partilhados, respostas de exercícios, livros emprestados. Tudo acontecia muito rápido; apenas um aviso (por parte dele) de ajuda oferecida, foi um gancho para a recem chegada menininha. O que era uma admiração apaixonada tornou-se um suspense sufocante, Samara não sabia o que faria.

Até que um dia, numa aula extra classe, ao visitarem uma fábrica de chicletes, a romântica secreta resolveu rasgar o verbo, antes que perdesse seu iluminado, por uma sombra intrometida, que há muito já não lhe permitia ver o rosto idolatrado, entre as palavras do ensino. Em meio às explicações do instrutor, Samara desviou-se do caminho, chegando-se perto da turma de Vicente. Sem saber o que falar, olhou para ambos os lados e viu uma grande caixa, cheia de chicletes, uma ideia lhe sobreveio, como uma pancada na nuca. Começou a abrir todos os chicletes, mastigando-os rapidamente, um por um, até não mais ter forças em seus leitosos dentes. Já haviam dezenas de gomas mascadas, envolvidas na saliva apaixonada. Como num sobressalto, a garota começou a esticá-los, mordendo uma extremidade e puxando a outra com os dedos; ao passo que fazia isso, juntava uma extremida na do próximo chiclete, prendendo a primeira no cardaço do tênis. À medida que o cordão ia crescendo, a menina enrolava-o no próprio corpo, como se estivesse se mumificando. Em poucos minutos, esse era o resultado, uma múmia de tutti fruti.

Correndo incansavelmente, aproximou-se do grupo, já há muito afastado, gritando para todos:
-Parem, parem, eu preciso falar uma coisa!

Os colegas, assim como a professora e o instrutor, voltaram-se todos assustados. Ninguém dizia uma palavra, nem mesmo a docente, que era conhecida por sua tagarelice.

-Eu, eu...- começava o nervosismo, mas Samara não poderia voltar atrás- Eu tenho uma confissão a fazer. Há muito tempo estou assim, enrolada, enrascada, envolvida, enlaçada, embaralhada. Por você, Vicente, eu estou assim, eu te amo.

Agora todo o silêncio foi quebrado, a ponto de se sobressair em meio ao grande barulho das máquinas industriais. Todos gritavam, aplaudiam, assobiavam, até mesmo a professora ficou emocionada. O menino Vicente, porém, não sabia o que fazer. Samara, sem perder tempo, setenciou:

- Eu gosto de você, Vicente, gosto muito, não paro de pensar em você. E nunca te disse isso, mas hoje criei coragem, e quero que todo mundo saiba, que sem você eu não vivo.

Samara era uma menina muito bonita, simples, o que só aumentava sua beleza. Vicente tambem sabia que ela era uma das menina mais inteligentes da turma A, e ficou balançado por aquela declaração. Nunca imaginou que aquela menina, com a qual ele nunca havia trocado uma palavra, nutria tão profundo sentimento por ele. Sem perder tempo, impulsionado pelo ardor da paixão súbita e explodida, perguntou:

- E o que eu preciso fazer, para ficar com você?
- Apenas dizer sim, e depois tirar todo esse chiclete, se não, não aproveitarás nadica de nada.
- Sim, eu quero, e como prova, vou tirar esse chiclete todo, um por um, e com a boca.

Naquele dia, uma sincera, ou melhor, duas, sinceras provas de amor foram dadas, mostrando que para amar, basta ser amado.



Um comentário:

  1. História muito legal. :)
    Interessante mesmo como é possível amar alguém que você mal conhece. :x

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